Os pacientes procuram por uma cirurgia plástica por vários motivos. Eles podem apresentar expectativas tanto para o resultado cirúrgico quanto para o impacto que sua aparência alterada terá em suas vidas. O desejo por um procedimento geralmente é impulsionado quando aumenta o nível de autoconsciência da pessoa sobre aquilo que lhe incomoda. (1)
Quando um paciente tem pleno discernimento sobre aquilo que lhe perturba, encontra-se emocionalmente equilibrado, tem expectativas realistas quanto aos possíveis resultados, compreende e aceita que não há garantia de um resultado específico nem de satisfação pessoal absoluta e entende as limitações e riscos dos procedimentos, os resultados tendem a ser muito satisfatórios e recompensadores.
Entretanto, podem existir algumas características psicológicas que podem indicar que um paciente não se encontra num bom momento para fazer uma cirurgia plástica, pois mesmo um bom resultado cirúrgico não será suficiente para deixa-lo feliz.
Vejamos agora alguns sinais de alerta que podem indicar que o paciente pode não estar numa boa condição, do ponto de vista psicológico, para realizar uma cirurgia plástica.
É preciso avaliar se o grau de deformidade do corpo notado pelo paciente é compatível com a avaliação de amigos e do cirurgião. Se houver uma grande diferença no grau de deformidade percebido pelo paciente e aquele avaliado por amigos e pelo cirurgião, pode ser que o paciente não seja um bom candidato a cirurgia plástica, pois sua capacidade de distinguir diferentes graus de deformidade pode estar prejudicada.
É preciso avaliar se o grau de expectativa do paciente é um grau realista. Pacientes com expectativas não realistas tendem a pedir que o resultado da sua cirurgia o(a)s deixe exatamente com a aparência de alguma celebridade ou de alguma foto de algum(a) modelo que viram na internet.
Pacientes com expectativas não realistas tendem a ficar obcecados com defeitos muito pequenos ou quase imperceptíveis. No pós-operatório, tais pacientes costumam se focar em pequenos detalhes e têm dificuldade em reconhecer a melhora geral, o que os deixa infelizes.
A autoconsciência se refere ao indivíduo perceber que o aspecto de uma parte do corpo lhe incomoda. Ela pode ser leve ou severa.
A leve pode envolver alguns comportamentos de ocultação que não interferem numa vida normal. Os comportamentos de ocultação podem incluir cobrir a parte com roupas ou uso de óculos de sol por exemplo, assim como evitar a parte virando-se ou cobrindo-a com cabelos compridos ou maquiagem, ou tentar controlar a aparência, como não sorrindo para evitar rugas.
Já a autoconsciência severa resulta em uma preocupação obsessiva que domina a vida do indivíduo, levando a restrições significativas na vida social e impacto significativo no estado de humor.
A maioria das pessoas tem algum nível de autoconsciência leve sobre alguma parte de seu corpo. Quando o nível é severo existe um maior risco de que o paciente não fique satisfeito com a cirurgia plástica.
É preciso considerar se algum fator externo está influenciando a motivação do paciente para a cirurgia, como influências culturais, incluindo televisão, redes sociais e cultura de celebridades. Alguns pacientes também podem estar dispostos a fazer uma cirurgia plástica apenas para agradar outra pessoa. (2)
Pacientes que realizam cirurgias plásticas a pedido de alguém geralmente ficam insatisfeitos. Já os pacientes influenciados pela mídia digital podem criar expectativas não realistas, o que também aumenta o risco de insatisfação no pós-operatório.
As crises da vida incluem a crise conjugal, a perda de um casamento, emprego, membro da família, entre outros. Essas situações estressantes muitas vezes levam os pacientes a procurarem a cirurgia plástica pelos motivos errados. Pacientes em crise de vida podem criar a expectativa irreal de que uma mudança positiva em sua aparência física irá trazer mudanças positivas em muitos aspectos de suas vidas pessoais e profissionais, e, quando isso não ocorre, ficam insatisfeitos com o resultado da cirurgia.
Uma avaliação das relações atuais do paciente deve ser feita, incluindo apoio familiar e social para fazer o procedimento, e o impacto potencial do procedimento nessas relações. A ausência de um suporte ou apoio para fazer o procedimento pode aumentar a insatisfação no pós-operatório.
Existem muitas causas de infelicidade generalizada, incluindo transtornos de humor, transtornos de personalidade, mentalidade e padrões de pensamento. Pessoas sempre infelizes tendem a ser pessimistas, e sua realidade nunca atende às suas expectativas porque sempre veem o copo meio vazio. Para desfrutar a felicidade na vida, é preciso ter gratidão pelo que se tem. Pessoas sempre infelizes tendem a exagerar o impacto negativo dos eventos e, portanto, não conseguem ficar felizes mesmo quando a sua aparência estética é melhorada com a cirurgia.
Pacientes com essa característica nunca são felizes a menos que tudo esteja “perfeito”. Tais pacientes estão sempre comparando suas características físicas a um ideal, ao invés de compararem seu resultado cirúrgico com as características que tinham antes da cirurgia. Por definição, um ideal nunca pode ser alcançado; portanto, esses(as) pacientes nunca ficam completamente satisfeitos(as).
É comum que pacientes com este perfil já tenham realizado diversas cirurgias para a mesma alteração com diversos cirurgiões, mas sempre permanecendo insatisfeitos.
Experiências adversas na infância podem gerar um sentimento de vergonha, induzindo as crianças a frequentemente culparem a si mesmas. Um tipo de vergonha associado ao trauma infantil é a vergonha do corpo, ou seja, a crença falsa que o indivíduo desenvolve sobre si mesmo dizendo: “sou inútil por causa da minha aparência”. Se o sentimento da vergonha do corpo, fruto de traumas na infância, for o principal elemento a impulsionar a realização da cirurgia, e não um desejo intrínseco de melhorar a deformidade, há um maior risco de insatisfação no pós-operatório. (3)
Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é um transtorno que se caracteriza por afetar a percepção que o paciente tem da própria imagem corporal, levando-o a ter preocupações irracionais sobre defeitos em alguma parte de seu corpo. Segundo o Manual da Associação Americana de Psiquiatria (DSM), o paciente portador do TDC apresenta as seguintes características: (4)
A) Preocupação com um defeito percebido ou falha na aparência física que não são observáveis ou parecem leves para os outros.
B) Em algum momento durante o curso do transtorno, o indivíduo executou comportamentos repetitivos (por exemplo, verificação no espelho ou limpeza excessiva) ou atos mentais (por exemplo, comparar sua aparência com a de outras pessoas) em resposta às preocupações de aparência.
C) A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo (por exemplo, humor deprimido, ansiedade, vergonha) ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida (por exemplo, escola, relacionamentos, casa).
Pacientes portadores do Transtorno Dismórfico Corporal tendem a ficar insatisfeitos com os resultados das cirurgias plásticas.
Vários questionários foram desenvolvidos e podem ser utilizados para avaliar o quadro psicológico do paciente, avaliação que pode ser muito útil antes de uma cirurgia.
Um desses questionários é o SRQ-20. Este questionário foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde e foi validado cientificamente para uso no Brasil. Ele é composto por 20 questões elaboradas para detecção de transtornos mentais comuns. O SRQ destina-se à detecção de sintomas, ou seja, sugere suspeita de algum transtorno psicológico, mas não identifica um diagnóstico específico. (5)
Cada resposta positiva (sim) vale um ponto. Para uma pessoa ser considerada como possível caso, ela deve apresentar uma pontuação de sete ou mais respostas afirmativas (sim).
O objetivo desta breve revisão não é impedir ou desencorajar que pacientes que apresentam as características mencionadas anteriormente realizem uma cirurgia plástica, mas ampliar a reflexão sobre a situação e características do paciente. Assim, tanto o paciente como o cirurgião, terão mais chances de ficarem felizes e satisfeitos com os resultados da cirurgia e a evolução pós-operatória.
1. Rees LS, Myers S, Bradbury E. A comprehensive screening, education, and training tool for the psychological assessment of patients seeking aesthetic surgery: “DESIRABLE OP?”. Aesthetic Plast Surg. 2012 Apr;36(2):443-7. doi: 10.1007/s00266-011-9808-7. Epub
2. Adamson PA, Chen T. The dangerous dozen–avoiding potential problem patients in cosmetic surgery. Facial Plast Surg Clin North Am. 2008 May;16(2):195-202, vii. doi: 10.1016/j.fsc.2007.11.010. PMID: 18355705.
3. Constantian MB, Zaborek N. The Prevalence of Adverse Childhood Experiences, Body Shame, and Revision Request Rate in 218 Plastic Surgery Patients: What Drives Postoperative Dissatisfaction? Plast Reconstr Surg. 2021 Dec 1;148(6):1233-1246. doi: 10.1097/PR
4. Constantian MB. The new criteria for body dysmorphic disorder: who makes the diagnosis? Plast Reconstr Surg. 2013 Dec;132(6):1759-1762. doi: 10.1097/PRS.0b013e3182a805ca. PMID: 24281601.
5. Gonçalves, Daniel Maffasioli, Stein, Airton Tetelbon e Kapczinski, FlavioAvaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cadern
Publicado em: 31/10/2022
Revisado em: 31/10/2022
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